segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Por acaso


Eu te amo de longe
E pra mim o vento é aprazível
Ele me traz o teu cheiro
E a tua voz de nuvem

Eu te amo como a andorinha
Tão livre, tão leve, tão alta

E eu te amo e sofro

Não sei em ti o amor
E não sabes em mim a vida
Nem o riso, nem o sonho
Nem os olhos que te quero roubar

Michelle Portugal

sábado, 23 de outubro de 2010

Dias de desalento

Daniel disse de dona Dora, deu dó:
.
-Demente,
Descabelada,
Débil desvairada
Detesto-te!
.
Dura dor de dona Dora!
Decepcionada
desequilibrou,
deu duas dentadas.
.
Daniel desacreditou:
.
-Doida, deste-me dentadas?
.
Depois desumanamente desenfreou dez disparos.
.
Disse devagarzinho dona Dora:
.
-D-e-u-s d-a-i-m-e d-i-a-s!
.
Desacordada desabou.
Desfaleceu.
Dormiu...
.
Danilo,
Dona Dulce,
Damião,
diante de dona Dora:
.
- Deu duro danado. Descanse Dona.

- Daniel desgraçado, dizimado deverá!
.
Dalém descia...
Dor doía dentro d’alma.
Desnorteio,
Desconsolo,
Desesperou-se:
- Deus duramente dispensará dores?
Divinamente dará descanso?
Desculpou-se, dizendo:
- dantes
Disparei
Despercebido,
Descontrolado.
Depois disso desapareceu.
.
Delegado desacreditou.
Detetive deslocou de Diadema,
Descobriria Daniel dentro de dez dias.
.
Despedindo-se depois de dona Dora... Danilo, Dona Dulce, Damião, declamaram desconsolados, duvidosos do destino dela:
.
-Deus dará descanso! Dor doía dentro d’alma deles.
.
Dias depois da despedida, detetive descobriu Daniel.
.
Desatino dentro da delegacia: deprimido, debilitado... detestava-se. Dava dó da dor dele! Dor doía dentro d’alma...
...
.
Data de duzentos dias depois da despedida dramática de Daniel. Descrevi detalhadamente.
Desculpe, desprovida destreza.
.
Domingo, Dois de dezembro.
.
(Michelle Portugal – 08/06/09)-

domingo, 17 de outubro de 2010

Candura


Se a palavra mais crua
se rendesse à  doçura
e o riso fosse terno
e a candura a melodia

se a esperança fosse a sina
e o abraço imaculado
o único interesse, de fato

então haveria a sutileza
no riso infeliz, a beleza
em cada novo olhar a certeza
de haver só sentimento casto

Michelle Portugal 29/ 08/2010

À espera


Eu vejo um corte exposto e o corpo inanimado
Ao lado, a sombra de ilusão projetando lágrimas

E sei do negro céu
E me sabe toda a fé que é falha

Ainda assim vejo um milagre
Inexplicavelmente em negro céu de desventuras
Surgindo do abismo profundo

E sei das voltas que a vida dá
E dos becos que escondem clarões...

Michelle Portugal 28/09/2010

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

O livro

E a palidez de cada verso me riu com lábios torpes. Era crua a palavra e o coração estava nu. Eu fitei as reticências, ponto a ponto. Vírgulas em sobressalto. Olhei ao redor e o que vi foi abismo. O que vi foi abismo e ecos de silêncio... O que senti foi nada. Assim o acaso me fez forte e me fez fraca outra vez. Eu vi a dança das palavras, o engodo e o destempero. Uma letra fria e morta me fitou com olhos tintos, olhos tintos de saudade. Então me fiz Jó*: engoli o gosto acre do amor mal sentido. Depois senti o frio e os ecos do silêncio. Ademais, eram só palavras... e o mesmo oco no coração.
.
* "A minha alma recusa tocar em vossas palavras, pois são como a minha comida fastienta" Livro de Jó 6:7 - Bíblia.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Considerações

Eu quero saber-me em poética livre
Longe das agruras sugadoras do sentimentalismo
Ausente do que me é banal, incongruente e perecível.
Eu quero salivar no desejo exacerbado de atar-me em laços e fino trato,
sem censura ou inviabilidade de efeitos.
Eu quero, além do céu insípido e da tristeza que paira no ar,
 Além do vazio que permeia a essência do que me é refúgio
Além do nada que corrói a última fagulha que havia,
Ouvir-me em canção descompassada.
Sangrar as miudezas que me circulam as veias
Ser a liberdade do vento que não paga pedágio
E a pulsação espontânea em qualquer hora e lugar desimportante.
Eu quero achar-me no fio da meada, da meada que perdi
E saber-me assim, em poética livre
Que de tão livre não se perde nos cortes, nas vírgulas, nos pontos...
E não deixa de possuir a si por um fadado e tolo capricho.

(Michelle Portugal) 

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A arte de sonhar (para crianças)


Eu tenho um vento colorido
Bem na palma da mão
Vento que andava perdido
Sem destino, caído no chão
.
Também uma estrela cadente
Que trago num pote de vidro
A estrela tem cor reluzente
E o vento é demais colorido
.
Se o dia é triste e a noite fria
Decerto terei alegria
Pois há um vento assim colorido
E também uma estrela comigo!
 .
Michelle Portugal

Espaços


Sobra-me vácuo entre o amargo e o doce
Os dias são os mesmos, só há um vento mais frio
E eu me recuso olhar o céu inerte
Divago...
.
O tempo escorre pelas mãos, as minhas
E Foge sem deixar sinais
Noutro dia é possível ver o mesmo céu
a mesma lua prateada
Mas há estranheza no olhar
.
O mundo é sempre o mesmo e é tão diferente
O sol nunca morre, só morre o coração
Depressa, cada vez mais
.
Michelle Portugal

Ao alcance das mãos



E sigo entre os vãos de uma busca
Os passos de um vestígio incerto
Há um horizonte ali perto
.
E sacrifico a razão que é mesquinha
Pois já morri entre os vãos do palpável
Naufraguei em terra estável
.
Perambulo ilusões minha sina
A concretude do sonho fascina
.
Michelle Portugal

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Tornozelo

A moça de cabelos ruivos ornava com o gramado: uma imagem invariavelmente bela. Eu, inerte. E também o céu e o lago e as flores e as folhas e o vento que não as levou.
Aproximou-se, em curvas sutis, pele alva e boca perigosa. Olhos a tragavam, não mais que os meus, famintos. Ombros despidos e um calcanhar esquerdo, que me balbuciava aos ouvidos a melodia de todos os atos. Eu, porém, inerte. E também os galhos da árvore e o balanço e o menino de boné azul.
Depois de um tempo ficou apenas o gramado e o verde e as borboletas. Quiçá tivesse tela e tinta naquela tarde! Contornaria seu tornozelo para depois, no silêncio do meu quarto, vê-lo de perto junto ao pescoço e aos olhos e corpo todo.

Michelle Portugal - 14/09/2010