sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Boas novas


Senhoras e senhores
Atirai o lirismo na lama
Despedaçai as rosas
Que o choro lamentoso na praça ecoará:

É tempo de matar
"É tempo de arrancar o que se plantou."

Dizei aos sonhadores sem pátria
Que não há lírios no vale
Que não há vida após a morte
Que não há norte algum pra lhes guiar

Há, sim, valas com rosas
Vitrines suntuosas de pedras brutas
Com todas as vaidades irreais
enfileiradas cidade afora.

Dizei aos valentes de última hora
Que não há lirismo que vingue
Que não há canção que encerre
Qualquer que seja a dor

É tempo de matar
"É tempo de arrancar o que se plantou"

Atirai o lirismo na lama
Que não há salvação
Fazei da vida mais um funeral
E das tripas, coração

Ide, pregai...

Michelle Portugal 
*Eclesiastes, 3.2

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Uma música no ar

Não sei se flauta ou cachoeira
Talvez anjo ou querubim
Muito sério ou brincadeira
Com começo meio e fim

Se é de salto ou de rasteira
Se é finito ou não tem fim
Se é camélia ou se é roseira
Se é tulipa ou se é jasmim

Se é imagem, tem bandeira
Se é canção, é num flautim
Se é bicho no armário tem cupim

Se é mulher, não é de cera
Se é canção, não é chinfrim
Se é de marca não será tupiniquim

Michelle Portugal - 09/11/2011

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Percepção acerca do breu

.

Agora que a lua me pesa
e me ferem buzinas vermelhas
caminho sussurro meus olhos por ruas vazias

navalhas de prata reluzem ausências
em cortes fundos rasas palavras
pulmões mergulham abismos verdades
cravadas sem som

olhos devoram noites
precipício vestígio ecos
encerram vazios
mundos muros milhões

Michelle Portugal

sábado, 22 de outubro de 2011

Ao Vento

As palavras são rasas e dançam. Inquietos dedos de palavras tamborilam. Palavras de arrastar correntes pesadas de bronze irrompem silêncio. Palavras que pedem palavras que criam palavras repetidas. Soltas palavras esvoaçam cortinas cruzam ruas avenidas batem à porta (não abro). Saturadas palavras de vento e pó.

 

Michelle Portugal

sábado, 15 de outubro de 2011

Ponto Final


Podia esperar a chuva passar. O ônibus surgir na esquina. Ele ligar na sexta.
Um alento amanhã, qualquer cura. Podia fazer planos, cogitar, crer, tinha a vida inteira, não?
O estômago doía, doía.
Podia tanto e até tudo: engolir promessas esquisitas de anjos que ninguém viu, veria?
Agarrou-se na sombra da noite, solidão absoluta mas certa. Não tinha mais espírito pra esperas.

Michelle Portugal

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Sobre Possuir



Meus olhos cativam estrelas
e a esperança soluça. Na relva
o cansaço despenca em nuvens
um coração pluvial

Dei de inventar planetas
Pelo espaço sideral
E seguir fotografias de vento
E guardar verdades
(que nem suponho)
Na palma da mão

E tenho me cansado destes vincos
afigurados entre o riso.
Sei que o sol é astro rei
E sei caminhos no azul. Mas,
a aproximação do vento neblina.

Meus olhos cativam estrelas
 cativas de mim

Michelle Portugal 23/08/2011

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Abstração

São balões que dançam no céu cinza
De esperança brumosa, noite adentro
Gotículas de vida no vento

São sagrados os riscos na lua
De brancura estranha, noite afora
Prenúncio sem hora

É do tempo a pressa da chuva
Há no azul do céu que louva
Gotículas de vida no vento
Um pensamento

Michelle Portugal

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Cumplicidade


Morrerei

Morrerei sóbria e profundamente. Com
o coração desavisado, a alma casta
De amor e de medo

E há de ficar um vazio solene em tua porta
A manchar esperanças
Remoer duras ausências

Teus
Serão os anseios, as noites mal dormidas
e o meu beijo irreal me fará morar em tua estante,
eternamente

Até que em algum desespero da vida, aos prantos
Tu morras também

Há de morrer casto, lentamente
De amor ou medo

Michellle Portugal

sexta-feira, 15 de julho de 2011

A origem da dor

Será de vício, de trapos, de sina
Será de vozes, de fases, de lira
Será de ânsia, de medo, de praxe
Será de lua, de vênus, de marte?

Se vem do frio, da chuva, da alma
Se é da lama, do corte, da praga
Se é da cisma, do baque, da queda
Se é do imo, do raro, da guerra...

“Só traz o medo, o vício que punge
e fica o sopro do vento que urge
e cala o imo aos trapos, por terra...”

Será de brisas, de lua, de morte
Será de uivos, de grilos, de raiva
Será de relva, de ondas, de choque
Será de ouro, de bronze, de prata?

Se vem da pena, das sobras, do calo
Se é da crise, do tino, das faltas
Se é do faro, das cores, do fato
Se é da chaga, da sombra, das notas...

“E jaz na lama a alma que punge
E fica o rastro do vento que urge
E segue o riso, sem cor, suas rotas...”

(Michelle Portugal – maio/julho - 2010)

A Mulher Invisível

Quarta feira pesada. Escura. Nem é noite ainda e eu já ouso arriscar que o dia acabou. Não porque falta luz. Não pelo silêncio. Talvez pela densidade dos olhares. Eles se cruzam rapidamente. Os de meu pai, numa resignação total, os de Solange - a mãe que eu jamais tive - aviltados. E eu não ouso falar nada. Não arrisco. Sou obstinada em minhas decisões.

A casa grande antecipa ansiedades, revigora medos, mastiga mentiras. Móveis rústicos e muito pó na sala inóspita, de quadros igualmente inóspitos, tolamente dispostos. Corajosos demais a exibirem ruazinhas de terra, mulheres de vestidos brancos com trouxas sobre a cabeça. Tédio. Esmiúço o meu tédio.

Não me lembro exatamente de como começou o dia, mas a percepção de tê-lo sabido cinza me assombrou no café da manhã. O cinza de que lhes falo é o cinza-chumbo. Não há tom algum, mas há o peso da cor. A casa amanheceu vazia e turva.

Preciso falar de Marília. Mulher de meia idade. Quase sem sorriso. É o que chamo de pessoa morta, ou que nunca arriscou nascer. Ela é invisível. Não fala, quando muito, o essencial. Não reclama e nada lhe parece doer, mas eu suponho que no fundo no fundo o mundo lhe pesa muito e que a vida, de uma forma ou de outra, lhe nega dignidade.

Eu sinto pena dela, e isso é tudo. Arruma a minha desordem. É uma boa arrumadeira, e isso é tudo também.

Lembro-me de tê-la visto entrar no quarto, cabeça baixa. Humilhada como sempre. Não me recordo de tê-la visto sair. Não importa. Talvez tenha decidido ir embora pra destino algum. Ou ajoelhado implorando a misericórdia divina. Talvez tenha morrido, nunca se sabe. Mas não ouso perguntar nada.

Eles se entreolham e abaixam a cabeça. Ainda é cedo demais e já escureceu. O cinza-chumbo engravida o ar, pesa as palavras entrecortadas e os meus ombros. Fico muda.

Michelle Portugal
14/07/2011

quinta-feira, 30 de junho de 2011

A leveza de todos os dias


leve e clara e tenra
a linha  da esperança.  acinzentada
como um tardio e também rubro e maculado amor
desafinado raso cru

: ela morria a cada dia na avenida principal
na leve e clara e tenra idade
com o mar de lodo grudando aos cabelos
crespos cutículas  rins

arvorada e turva a curva da morte
espreitava na  esquina

estranho mas nenhum passante viu:

restos de vida empobrecida
incutida
embolada
em amor tardio

Michelle Portugal

sábado, 25 de junho de 2011

Estrelas


Ficava a noite toda imaginando uma vida diferente, inerte a contemplar a imensidão das possibilidades que o vento trazia em suas asas. Viu, um por um, seus sonhos acordados pelo infortúnio da madrugada. Rogou aos céus que aquela dor passasse e que o colorido se tornasse cinza como cinza a vida se lhe impunha. Convenceu-se de que o vôo é o blefe dos iludidos, e que estrelas são perturbações da existência. Mentiu à própria veia – o último ritmo que embalava o silêncio dos seus medos noturnos. Viu o sol, mas fechou a cortina. Tinha medo da chuva, da luz, do ar limpo a levar folhas inúteis. Amava a própria resignação com amor contrito e, assim, tornara-se prisioneira de um melindre sem fim. Ninguém a podia soltar. Decerto, haveria de ser assim, eternamente. Como todos os outros homens e mulheres que não amam. Como todos os homens que haviam crescido demais, restava condenada ao limite do pequeno grande mundo, seu sóbrio e cinza pecado... que lhe custou uma vida inteira.


Michelle Portugal

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Novamente

Só agora percebo o quanto me custou o meu descuido. A minha precipitação em satisfazer as ausências que me compunham. O esforço meio labiríntico em ser heroína de mim. E eu forjei tudo, desde o primeiro ao último adeus. Queria saber o quanto de mim havia em você  e o quanto de nós lhe bastava. Não quis parecer fraca, nem me aventurar numa inútil procura. Deixei fluir. Mas pequei por te seguir no escuro, por tocar as fendas da tua ferida, tentando entender os porquês do teu longo silêncio. O teu silêncio definitivamente me machucava muito. E então eu fui me perdendo nos vãos que havia entre nós. Como um preso que se consome na espera. Como um solitário mastigando o arrependimento de uma vida que não foi, e podia ser. E assim eu me gastei: por não me bastar. Por querer sempre e  sempre o calor de outras mãos. O olhar que não é meu. O sonho a dois. E fingi que a nossa lábia não me era sabida. E forcei uma cumplicidade que não havia, que nunca houve. E me feri também, mais que a você, mais que a nós. E depois de todas as palavras e gestos e agressões. Depois de todo o circo eu quis me recompor, tentei te pedir perdão, me perdoar. E aí era tarde demais. Todas as minhas especulações desfilavam ávidas, pungentes: eu estava sozinha e ferida,  outra vez.

(Michelle Portugal 23/06/11)

Gota

(Inspirado em ‘Uma Lágrima’, de Igor Buys)



Repousou no cimento
a última prata
lâmina aflita
contorno turvo no azul

caco e neblina
medo e cansaço
expirando
singrando
sem tom

uma nota solta
pendida
sangrando
fulgindo
caindo
no chão

Michelle Portugal 22/06/2011

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Poeminha bobo para ninar alguém

Durma agora, meu bem
que a nuvem há de passar
pesada, levará tuas lágrimas
repouso do teu cansaço

Durma que a noite é breve
e essa dor um bobo sonho
ademais, virão outras nuvens
a plainar na tua aura clara

Há de haver outras dores
noutros dias, outros sóis também
teus anseios voltarão, o teu medo
e tudo o que não te agiganta:

a porta fechada do mundo
a tristeza de cada segundo
o vai-e-vem do infortúnio

Tua imagem clara, leve, santa
roubarão teus inimigos
e tudo será consternação
e tudo dor
e tudo tédio

Mas durma que há de passar a nuvem
que há de passar o sonho
a nuvem, o sonho
hão de passar

 Michelle Portugal 10/06/2011

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Levitar



Levitar

Acariciou os punhos para abrandar a tristeza, dissipar a morte, esquecer o amargo da noite. Retomar o norte. Respirou fundo em busca de luz, lastro de vida, seta a indicar um caminho. Não sabia nada sobre superação. Renasceu num sopro, leve piscar de olhos. Ninguém lhe falou de esperança. Não conhecia o vulcão do silêncio. Jamais leu poesia, exceto nas flores e sol. Não se fez ouvida a sua voz, embora doce. Nem se sentiu o seu calor, mesmo muito. Mas cantou. Porque há sempre uma pausa no mundo. No ímpeto da fúria, um segundo. E um fio de luz é sempre luz. Levitou não se sabe como, nem qual nuvem lhe deu a mão.

Michelle Portugal

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Revelação




Eu tive um sonho lilás outro dia, mas não me lembro em qual lua.
Chovia tanto. Chovia ritmo e contemplação.
Em cada pingo havia uma fenda, em cada fenda uma emoção.

(Michelle Portugal)

Canção dos acasos


Canção dos acasos

Os vasos estão quebrados
e os sinos murmuram tristeza
cada milímetro de vida
em detalhes de riso empoeirado

eu quereria a mesma emoção, ainda
não fosse o frio e os desencontros
não fosse o inverno da noite

eu veria, talvez, a tua imagem
-esta perturbação nos meus sonhos
e acalanto estranho no meu peito-

quiçá as borboletas me trouxessem
o lilás, o verde, a emoção
de amar o estúpido, o doce e o amargo:
Teu sorriso

Michelle Portugal

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Canção Nova



Canção Nova


Este quebranto indomável que me é o ser
Fragilizado pulsante um coração
Perdido na volúpia de um sonho sem fim

Estou resignado
Num calabouço à procura de espaço
Ou clarão de lua branca bailarina

Dê-me flores, ou gentileza da vida
Que só quero me sentar à margem do rio
Que só preciso de um pouco de amor

Apague a luz dessa noite festiva, pare de rir
E me cante uma canção de esperança


Michelle Portugal – 04/05/2011

domingo, 24 de abril de 2011

Transparência

.

Atrás dos cílios reside uma dor
Perpétua, cruel
Um pouco de tudo em cada segundo
Um vazio difuso, fundo sem fundo

Aqueles balões não me dizem nada
Azuis, deslizam no céu
E o menino e o sorriso infinito
E as canções que calam meu grito

Atrás das roupas reside uma dor
E outra dor e uma mais, na epiderme
Nos pulmões mudos, nos gestos confusos
Vielas e muros


Aqueles balões não me dizem nada
Incólumes, deslizam no céu
E o menino e o sorriso infinito
E as canções que abafam meu grito

Michelle Portugal – 16/04/2011

Ela



Da última vez
A vi por entre a fresta da cortina
Nos olhos negros de Leonardo
O menino da bicicleta  vermelha

Desde então ela sumiu
Não sei em qual nuvem ou chuva

Desfez-se

Outro dia
Enquanto meu tio se retorcia em palavras
Eu vi um raio, quase estrela cadente
Nalgum lugar que não perto de mim

Dizem que felicidade é um sopro, ou sonho
Caminho obtuso, elevação...

Michelle Portugal

sábado, 29 de janeiro de 2011

Um segundo



Um segundo
.
Ficou ali parado, ensimesmado com o azul. Notou que o vazio estava pleno e que a plenitude se embebia no vácuo.
Com grãos de silêncio, alimentava o próprio coração quase morto. Fome, sede e solidão. O mar se misturou às lágrimas e então ele abraçou o vento com os olhos fechados. Não sabia nada e já não importava nada saber. Agora, bastava-lhe o sentir, e o sentir o guiaria. Enxugou as lágrimas e sorriu... Um sorriso delicadamente azul.


Michelle Portugal    27/01/2011

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Ternura



"És triste até quando sorris…" (MANUEL BANDEIRA, Três idades)


Ternura

O teu sorriso tem o tom da lua
Vejo-te, pele e carne, opaca e linda
E sei que o sol me diz teus olhos
são flechas, setas, tempestade...

A ternura é o que me mata
e eu morro sempre, todo o dia
Só de vê-la assim distante e
entretida com a própria tristeza

Não sei que dia, que fato, que sina
Fez-me teu, de coração e rima
Menina... eu te amo e não sei como dizer.

Michelle Portugal (29/12/2010)

Uma releitura de Teresa

Uma releitura de Teresa
 
A primeira vez que vi Teresa
Não tive tempo de olhar em seus olhos
Era uma daquelas mulherzinhas sem sal
De andar por aí à procura de emprego

Na segunda vez Teresa ficou muda
E só me ria com aqueles poucos dentes
Nos quais eu via graça... quanta graça!

Depois não vi mais ninguém
Nem Teresa nem tia nem  pai
Só o jornal e a manchete e o barracão
Despencando morro abaixo

Michelle Portugal

Luz e sombra

 
É a vida
Este espetáculo à parte que encanta e desencanta

O homem, o espectador que ri e chora
Entende e desentende
Ama e desama

Incomunicáveis são os mundos
Paralelos, indissociáveis

É a vida
Esta inclemente pátria-desassossego
Este borrão de sonho

....Um espetáculo à parte.

Michelle Portugal - 25/01/2011

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Reflexo




Reflexo

Senti-me borboleta após deixar o silêncio me guiar. Ele tem mania de mistério, mas não temi. Comoveu-me a minha própria intuição. E eu sabia, sim, sabia lá no fundo que silêncio é altura e nunca precipício. Havia uma cortina, do outro lado a minha essência. A cortina tornou-se pó e eu me senti borboleta pela primeira vez. Fechei os olhos e pude ver o mundo através da alma. Alguma inquietação, sobretudo, satisfação por saber-me ouvinte de um coração que é só meu.

Michelle Portugal

Nada compreendo
entre o olhar frio do abajur
e o sorriso que nunca nasce na feição da mesa de centro

E nada, absolutamente nada eu consigo tocar
nem o choro infinito da torneira que pinga
quem dirá a mudez do telefone sem fio

Sinto, porém, incompreensivelmente,
a implacável solidão das noites silenciosas

Michelle Portugal – 16/12/2010