sábado, 29 de janeiro de 2011

Um segundo



Um segundo
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Ficou ali parado, ensimesmado com o azul. Notou que o vazio estava pleno e que a plenitude se embebia no vácuo.
Com grãos de silêncio, alimentava o próprio coração quase morto. Fome, sede e solidão. O mar se misturou às lágrimas e então ele abraçou o vento com os olhos fechados. Não sabia nada e já não importava nada saber. Agora, bastava-lhe o sentir, e o sentir o guiaria. Enxugou as lágrimas e sorriu... Um sorriso delicadamente azul.


Michelle Portugal    27/01/2011

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Ternura



"És triste até quando sorris…" (MANUEL BANDEIRA, Três idades)


Ternura

O teu sorriso tem o tom da lua
Vejo-te, pele e carne, opaca e linda
E sei que o sol me diz teus olhos
são flechas, setas, tempestade...

A ternura é o que me mata
e eu morro sempre, todo o dia
Só de vê-la assim distante e
entretida com a própria tristeza

Não sei que dia, que fato, que sina
Fez-me teu, de coração e rima
Menina... eu te amo e não sei como dizer.

Michelle Portugal (29/12/2010)

Uma releitura de Teresa

Uma releitura de Teresa
 
A primeira vez que vi Teresa
Não tive tempo de olhar em seus olhos
Era uma daquelas mulherzinhas sem sal
De andar por aí à procura de emprego

Na segunda vez Teresa ficou muda
E só me ria com aqueles poucos dentes
Nos quais eu via graça... quanta graça!

Depois não vi mais ninguém
Nem Teresa nem tia nem  pai
Só o jornal e a manchete e o barracão
Despencando morro abaixo

Michelle Portugal

Luz e sombra

 
É a vida
Este espetáculo à parte que encanta e desencanta

O homem, o espectador que ri e chora
Entende e desentende
Ama e desama

Incomunicáveis são os mundos
Paralelos, indissociáveis

É a vida
Esta inclemente pátria-desassossego
Este borrão de sonho

....Um espetáculo à parte.

Michelle Portugal - 25/01/2011

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Reflexo




Reflexo

Senti-me borboleta após deixar o silêncio me guiar. Ele tem mania de mistério, mas não temi. Comoveu-me a minha própria intuição. E eu sabia, sim, sabia lá no fundo que silêncio é altura e nunca precipício. Havia uma cortina, do outro lado a minha essência. A cortina tornou-se pó e eu me senti borboleta pela primeira vez. Fechei os olhos e pude ver o mundo através da alma. Alguma inquietação, sobretudo, satisfação por saber-me ouvinte de um coração que é só meu.

Michelle Portugal

Nada compreendo
entre o olhar frio do abajur
e o sorriso que nunca nasce na feição da mesa de centro

E nada, absolutamente nada eu consigo tocar
nem o choro infinito da torneira que pinga
quem dirá a mudez do telefone sem fio

Sinto, porém, incompreensivelmente,
a implacável solidão das noites silenciosas

Michelle Portugal – 16/12/2010