sábado, 25 de junho de 2011

Estrelas


Ficava a noite toda imaginando uma vida diferente, inerte a contemplar a imensidão das possibilidades que o vento trazia em suas asas. Viu, um por um, seus sonhos acordados pelo infortúnio da madrugada. Rogou aos céus que aquela dor passasse e que o colorido se tornasse cinza como cinza a vida se lhe impunha. Convenceu-se de que o vôo é o blefe dos iludidos, e que estrelas são perturbações da existência. Mentiu à própria veia – o último ritmo que embalava o silêncio dos seus medos noturnos. Viu o sol, mas fechou a cortina. Tinha medo da chuva, da luz, do ar limpo a levar folhas inúteis. Amava a própria resignação com amor contrito e, assim, tornara-se prisioneira de um melindre sem fim. Ninguém a podia soltar. Decerto, haveria de ser assim, eternamente. Como todos os outros homens e mulheres que não amam. Como todos os homens que haviam crescido demais, restava condenada ao limite do pequeno grande mundo, seu sóbrio e cinza pecado... que lhe custou uma vida inteira.


Michelle Portugal

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