Há sempre um tom orgulhoso nas
falas de muitas pessoas que se declaram 'não religiosas', mormente
nos dias atuais em que o discurso em voga é de quebra de paradigmas
morais. Sem entrar no mérito da religião propriamente dita,
lembro-me de um texto de Rubem Alves, no qual ele diz que ‘Ter uma
religião é falar as palavras sagradas daquela religião e acreditar
nelas. As religiões se distinguem e se separam: pelas diferenças
das palavras que usam para se referir ao sagrado’.
O
sagrado a que Rubem Alves se refere, obviamente, é o conjunto de
signos, interpretações e crenças imanentes do ser humano. E ele
fala especificamente da religião em sentido estrito. Entretanto, a
interpretação pode ser ampliada.
Se
sagrado é aquilo que o homem considera superior a si próprio, visto
que dotado de características nobres e incorruptíveis; ao qual ele
oferece um altar, logo, o desejo humano de sacralização não se
restringe à religião: há nãos religiosos que vivem em profundo
sentimento religioso por aquilo que consideram ‘sagrado’.
Surge
então a necessidade de nomear este “sagrado”, tornando-o objeto
passível de ser vendido e apregoado pelas praças e ruas do mundo
real. Logo, só é digno quem reitera as palavras sagradas. Quem as
profana deve ser condenado a algum inferno eterno de fogo e enxofre.
É
assim com o feminismo em voga: existem signos próprios desse
movimento. Palavras que devem ser repetidas e compartilhadas até se
tornarem verdades incontestes. E ai de quem contesta! Mesmo que a
premissa da crítica seja fundada em argumentos honestos e céticos,
o crítico deve ser irremediavelmente excomungado, visto que ele é o
próprio demônio.
É
assim com qualquer ideologia demagógica que repete freneticamente as
palavras mágicas “democracia”, “igualdade”, “justiça”,
como se seus significados – dotados de multiplicidade de sentidos –
fossem a descoberta de seus fiéis. São os objetos sagrados e
exclusivos do “povo escolhido”, utilizados como ferramenta de
manipulação.
Daí
deriva o culto ao politicamente correto: não basta ser, tem que
PARECER que é.
Não
basta ser mulher autônoma: você tem que afirmar sua autonomia por
meio da defesa irrestrita das pautas defendidas pelo movimento, caso
contrário, você no mínimo será uma pessoa com convicções
suspeitas. Uma ameaça à irmandade. Uma mulher que precisa ser posta
em seu devido lugar. Se você é mulher e contra o aborto, você só
pode ser a filha de satã, mesmo que grande parte (quiçá a maioria)
dos bebês abortados sejam meninas.
Não
basta defender igualdade perante a lei: você tem que parecer que
defende essa igualdade por meio do uso dos signos apropriados para
tal defesa: os famigerados jargões carregados de demagogia.
Rubem
Alves tinha razão. Só não tem razão quem ousa discordar e
corajosamente se posicionar do outro lado da ponte. Estes são os
loucos, extremistas, os hereges. Não há perdão que os livrará do
fogo do inferno.