sexta-feira, 25 de outubro de 2024

Sobre religião, feminismo e liberdade (Michelle Portugal)

Há sempre um tom orgulhoso nas falas de muitas pessoas que se declaram 'não religiosas', mormente nos dias atuais em que o discurso em voga é de quebra de paradigmas morais. Sem entrar no mérito da religião propriamente dita, lembro-me de um texto de Rubem Alves, no qual ele diz que ‘Ter uma religião é falar as palavras sagradas daquela religião e acreditar nelas. As religiões se distinguem e se separam: pelas diferenças das palavras que usam para se referir ao sagrado’.

O sagrado a que Rubem Alves se refere, obviamente, é o conjunto de signos, interpretações e crenças imanentes do ser humano. E ele fala especificamente da religião em sentido estrito. Entretanto, a interpretação pode ser ampliada.

Se sagrado é aquilo que o homem considera superior a si próprio, visto que dotado de características nobres e incorruptíveis; ao qual ele oferece um altar, logo, o desejo humano de sacralização não se restringe à religião: há nãos religiosos que vivem em profundo sentimento religioso por aquilo que consideram ‘sagrado’.

Surge então a necessidade de nomear este “sagrado”, tornando-o objeto passível de ser vendido e apregoado pelas praças e ruas do mundo real. Logo, só é digno quem reitera as palavras sagradas. Quem as profana deve ser condenado a algum inferno eterno de fogo e enxofre.

É assim com o feminismo em voga: existem signos próprios desse movimento. Palavras que devem ser repetidas e compartilhadas até se tornarem verdades incontestes. E ai de quem contesta! Mesmo que a premissa da crítica seja fundada em argumentos honestos e céticos, o crítico deve ser irremediavelmente excomungado, visto que ele é o próprio demônio.

É assim com qualquer ideologia demagógica que repete freneticamente as palavras mágicas “democracia”, “igualdade”, “justiça”, como se seus significados – dotados de multiplicidade de sentidos – fossem a descoberta de seus fiéis. São os objetos sagrados e exclusivos do “povo escolhido”, utilizados como ferramenta de manipulação.

Daí deriva o culto ao politicamente correto: não basta ser, tem que PARECER que é.

Não basta ser mulher autônoma: você tem que afirmar sua autonomia por meio da defesa irrestrita das pautas defendidas pelo movimento, caso contrário, você no mínimo será uma pessoa com convicções suspeitas. Uma ameaça à irmandade. Uma mulher que precisa ser posta em seu devido lugar. Se você é mulher e contra o aborto, você só pode ser a filha de satã, mesmo que grande parte (quiçá a maioria) dos bebês abortados sejam meninas.

Não basta defender igualdade perante a lei: você tem que parecer que defende essa igualdade por meio do uso dos signos apropriados para tal defesa: os famigerados jargões carregados de demagogia.

Rubem Alves tinha razão. Só não tem razão quem ousa discordar e corajosamente se posicionar do outro lado da ponte. Estes são os loucos, extremistas, os hereges. Não há perdão que os livrará do fogo do inferno.






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